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The road not taken – Ou a minha verdade, a sua verdade e a verdade verdadeira

Para lançar oficialmente o blog, apresentamos a série Pérolas da Metáfrase, na qual migraremos os artigos publicados na revista, um a um, mensalmente. Hoje, em comemoração ao Dia Internacional da Tradução, trazemos um belo texto do Lídio Rodrigues, atual diretor da Abrates, publicado no número 7 da revista, em outubro de 2017.

 


 

O trecho em inglês acima é uma referência ao título de um dos poemas mais famosos de Robert Frost. Nele, o poeta trata do dilema de, por um lado, sermos afortunados por termos livre arbítrio e, por outro, sermos obrigados a fazer escolhas e enfrentar a inevitabilidade de suas consequências. Dilema universal, pois afeta a todos e a cada um de nós em incontáveis momentos de nossas vidas. Neste texto, The road not taken refere-se às opções quando o assunto é tradução.

Depois de alguns anos de prática e incontáveis dilemas, descobri que a tradução é uma carreira que exerce fascínio sobre muitos. Não é difícil encontrar alguém que diz “adoraria fazer o que você faz, acordar de manhã para trabalhar sem sair de casa, traduzir o dia inteiro, que maravilha…” Apesar de essa visão romantizada sobre a rotina do tradutor também ser profundamente simplista e equivocada, o fascínio permanece bem real. Porém, vocês sabem o que é necessário para chegar ao ponto de dizer “sou tradutor profissional”? Não? Lamento informar que eu também não. E explico o motivo.

Não faz muito tempo que se usava o aterrorizador argumento de que, para termos uma carreira de prestígio e chance de bons salários, era preciso investir no trio Medicina/Direito/Engenharia, ou prestar concurso público – e o cargo nem importaria tanto. (Soa familiar? É porque ainda há muitos que acreditam nisso.) Nesse contexto, a tradução raramente seria a primeira opção de carreira de um jovem. Felizmente, isso vem mudando, em grande parte devido ao mundo globalizado em que vivemos, que confere maior visibilidade ao tradutor e ao seu trabalho, bem como devido ao aumento da oferta de cursos de especialização e de graduação.

Aos 18 anos eu era mais um a escolher a carreira de Engenharia (Química). Depois de algum tempo, comecei a cursar também Letras. A Engenharia Química foi um caminho abandonado depois de quatro anos de faculdade, já o curso de Letras foi levado até o fim. Escolhi Engenharia porque gostava da área (ou achava que gostava, hoje sei que o meu gosto mesmo é por ciências exatas, mas o gosto somente não me daria o que precisava para me tornar um engenheiro), mas também por influência externa. Escolhi Letras porque também gosto de literatura e de ciências humanas em geral. A tradução era algo com o qual eu flertava desde os tempos de faculdade e, embora tenha seguido a carreira do magistério por muitos anos, o gosto, a curiosidade e – por que não dizer? – aquela “coceirinha” pela carreira nunca deixou de existir: apenas ficou latente, como uma vontade que poderia jamais ter se realizado.

Uma das coisas mais ricas e mais belas dessa profissão é justamente a trajetória de seus profissionais: vale destacar que não há trajetória única e não há ponto de partida certo ou errado quando se trata de origem. Se, aos olhos de um leigo, as faculdades de Letras parecem ser um celeiro óbvio de tradutores, a realidade mostra que um bom tradutor floresce praticamente em qualquer terreno. É possível iniciar na profissão em qualquer idade e, o melhor, não há data de aposentadoria. De fato, a qualidade pode aumentar ao longo dos anos, o tempo está ao nosso favor. Não há limites quando o assunto é fonte de aprendizado: materiais de leitura, viagens, experiências de vida, graduações e outros cursos, empregos anteriores, toda e qualquer fonte pode servir em algum ponto de sua carreira. Quando digo não saber o que é preciso para ser tradutor profissional, é porque parece não haver uma fórmula exata a ser seguida: todos os caminhos levam à tradução – talvez seja essa uma das atividades mais antigas da nossa espécie e, ao mesmo tempo, a mais conectada com o que há de mais novo e avançado na evolução humana. Pois desde que houve alguma forma de comunicação, nos tempos mais imemoriais, houve também necessidade de tradução. E sempre que há um avanço tecnológico, lá está a tradução para nos ajudar a transpor obstáculos. Ela está em quase todos os aspectos que envolve a nossa existência. O tradutor surge da necessidade de ser uma ponte. Um facho de luz. Uma mão e uma voz que ampara. Ele surge de suas vivências: o tradutor é o resultado de tudo que o cerca, é também resultado de sua curiosidade insaciável (o tradutor é, em maior ou menor grau, um curioso). Isso o torna uma versão simplificada de uma enciclopédia, pois, por força de sua atividade, é obrigado a saber um pouco de muitos assuntos. Conclui-se daí que uma das características mais marcantes pode ser resumida em uma só palavra: diversificação, não somente de origens, mas também de campos de atuação.

Por tudo isso, a sua trajetória de vida, os caminhos que você escolheu percorrer, bem como as decisões de carreira que você tomou, jamais serão consideradas um impedimento para que você se torne tradutor um dia. Muito pelo contrário, não há “road not taken”, não há opções de carreira que inviabilizem seu futuro na tradução. Há infinitas possibilidades, o que torna a minha realidade algo totalmente exclusivo e diverso da sua. A minha verdade me levou até o ponto em que estou, e cada realidade, cada vivência, continuará a pontuar o meu futuro. Assim é e será com cada um de nós.

 

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