Tornou-se quase um clichê afirmar que os intérpretes são mais resistentes ao uso das tecnologias do que os tradutores, embora existam pesquisas internacionais comprovando esse padrão (afinal, sempre existe algo de verdadeiro em cada clichê!). Se, por um lado, as CAT tools – entre outras ferramentas – impregnam o mundo da tradução escrita há muitos anos, por outro, inúmeros intérpretes escolheram a palavra falada também para não precisarem tornar-se “escravos” de um computador ou dominar as novas tecnologias (confesso que isso passou pela minha cabeça lá em 2008, na Itália, quando me inscrevi no Mestrado Profissional em Interpretação, ao invés de escolher Tradução).
No que diz respeito às necessidades terminológicas, tanto os tradutores quanto os intérpretes sabem que o estudo e a gestão de terminologia são muito importantes, uma vez que devem quotidianamente lidar com a comunicação especializada presente nos textos escritos e orais que são transpostos de uma língua para outra. Sua abordagem à terminologia é, contudo, bastante diferente: os tradutores podem lidar com ela durante e depois de ter recebido o material a ser traduzido, ao passo que os intérpretes devem fazê-lo principalmente antes, tentando antecipar o conjunto léxico-terminológico que será utilizado pelo palestrante. Durante a interpretação, é praticamente impossível, por múltiplas razões, estudar ou realizar pesquisas aprofundadas, fazendo com que o trabalho mais intenso do intérprete aconteça antes.
Assim, ainda sobre a aversão à tecnologia, muitos intérpretes preferem organizar seus glossários em Word ou Excel. No entanto, a inteligência artificial, a difusão de softwares de gestão de terminologia, e a pandemia depois, colocaram esses profissionais diante de uma realidade que não pode mais ser ignorada: as máquinas vieram, sim, para nos ajudar, e não somente para nos substituir. Ou, pelo menos, podemos dizer que as tecnologias que visam à substituição dos intérpretes não têm certamente o mesmo intuito daquelas voltadas para a melhoria do seu desempenho, sendo este o caso das famosas CAI tools (ferramentas de Interpretação Assistida por Computador). Chamo-as de “famosas” por elas estarem cada vez mais presentes entre nós, além de constituírem objeto de pesquisas acadêmicas no mundo todo.
Ao longo do meu Doutorado na UFRGS (2015-2019), adentrei no mundo da terminologia (a minha participação no grupo de pesquisa TERMISUL foi fundamental neste sentido) e, já em 2017, resolvi adquirir o software InterpretBank, hoje uma das pouquíssimas CAI tools em constante desenvolvimento. Apesar da disparidade de definições de CAI tools presentes na literatura especializada (existem pesquisadores que as consideram de forma abrangente, incluindo suportes como tablet ou plataformas de preparação para intérpretes, ao passo que outros referem-se apenas àquelas funcionalidades voltadas para o processo de interpretação em si), atualmente chegou-se a certo consenso no sentido de considerar as ferramentas CAI como softwares que enfocam sobretudo a gestão terminológica (busca, identificação de termos e seus equivalentes, construção inteligente e rápida de glossários, consulta e memorização, etc.), automatizando, pelo menos, algumas das etapas do processo que leva à interpretação. Vejamos alguns exemplos práticos das potencialidades dessas ferramentas:
1) Em vez de ler todos os documentos enviados pelo cliente antes de um evento, é possível realizar uma extração automática de termos e já ter à disposição uma lista de possíveis candidatos, para os quais o software busca equivalentes também de forma automática (isso já me salvou em diversas ocasiões, quando recebi centenas de páginas que eu precisava estudar em poucos dias).
2) Consultar mais de um glossário ao mesmo tempo (é muito útil podermos acessar mais de um glossário simultaneamente, ainda mais se eles tiverem temáticas parecidas).
3) Criar glossários e subglossários (quantos entre nós trabalham com terminologias de subáreas afins?).
4) Carregar na nuvem os próprios glossários para fins de compartilhamento com colegas (em época de interpretação remota, tornou-se ainda mais essencial).
5) Utilizar o reconhecimento automático de fala (speech recognition) para que os termos contidos no glossário apareçam quando forem mencionados pelo palestrante, junto com os números (esta ainda é uma função experimental oferecida somente pelo InterpretBank); e assim por diante.
Os exemplos acima representam apenas algumas das vantagens ofertadas pelas CAI tools, cujo custo varia conforme as funcionalidades que incorporam e o quanto elas estão baseadas ou não em inteligência artificial. Claro, cada profissional precisa avaliar se o investimento vale ou não a pena, mas ignorá-las não é mais possível.
Sobre a autora
Patrizia Cavallo é Doutora em Letras (Lexicografia, Terminologia e Tradução: Relações Textuais) pela UFRGS e Mestra em Intepretação pela Universidade de Bolonha (Itália). Mora no Brasil (Porto Alegre), onde é Tradutora e Intérprete de italiano, português e inglês desde 2011. É pesquisadora colaboradora do grupo TERMISUL (UFRGS). Ministra cursos na área de tradução, terminologia para intérpretes e CAI tools.
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