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O início da jornada

Republicação do texto do Lídio Rodrigues para o número 9 da revista Metáfrase, de fevereiro de 2018.

 

Ano novo. Vida nova? Este pode ser o início da jornada no universo da tradução para muitos. Se você está apenas começando e ainda não sabe muito bem que rumo tomar, este artigo pode ser útil para você. E se você já é tradutor há tempos, bem, também. É natural nos sentirmos um pouco perdidos e inseguros quando começamos algo novo, mas a insegurança não é prerrogativa apenas dos iniciantes. De fato, boas doses de dúvida e questionamento são pré-requisitos de todos os bons profissionais — mesmo aqueles que, pelo tempo de profissão, podem se considerar mais “experientes”, por assim dizer. 

Há três pontos que eu gostaria de abordar neste texto, temas que povoam a mente de todo profissional em busca de um espaço no mercado: cursos de formação, formas de preparação e práticas de prospecção de clientes. Pela natureza do nosso trabalho, tais tópicos estão longe de ser os únicos importantes e, obviamente, são assuntos que jamais se esgotam; no entanto, não há um só profissional que possa passar ao largo deles.

Uma pergunta recorrente: tradutores e intérpretes precisam de cursos, diplomas, certificados? Se alguém, em algum momento, disser que este é um pré-requisito indispensável para começar, esse alguém está equivocado. Cursos de tradução podem ser considerados bons pontos de partida — e, nesse sentido, há inúmeros cursos (livres, de extensão, graduação) —, mas não são obrigatórios; na verdade, é comum tradutores e intérpretes terem uma formação totalmente diversa em seus históricos (conheço músicos, jornalistas, advogados, médicos, biólogos, psicólogos e muitos outros profissionais que “migraram” para a tradução em algum ponto de suas vidas — eu mesmo fui professor de inglês por vários anos antes). E, mesmo que uma pessoa tenha frequentado um curso, isso não constitui nenhuma garantia de sucesso. Em geral, um curso de graduação pode fornecer uma boa base teórica, mas, grosso modo, ainda deixa a prática e, principalmente, a preparação para o mercado a desejar. Da mesma forma, um curso livre ou de extensão pode até proporcionar mais prática e também preparar melhor para o mercado, mas falhar na base teórica. O ideal seria a união desses universos (o teórico, o prático e o mercadológico), e tem havido mudanças significativas nesse sentido, mas ainda há um longo caminho pela frente.

Se me perguntarem se o curso de Letras é um bom começo, a resposta é “sem dúvida”. Mas devo dizer, a título de exemplo, que o meu curso de Letras não reservou um minuto sequer de seu currículo à disciplina da tradução. Em algumas faculdades é oferecida graduação específica para essa área; em outras, Tradução e Interpretação podem ser uma habilitação do curso de Letras. Há muita informação disponível na internet para aqueles interessados em se aprofundar na pesquisa sobre instituições e os respectivos cursos oferecidos, inclusive na área de pós-graduação e cursos de extensão. Há também diversos cursos livres abordando vários aspectos da tradução e interpretação, sejam presenciais e/ ou à distância: legendagem, dublagem, Libras, tradução editorial, entre outros.

Com ou sem diplomas ou certificados, defendo que um profissional da área precisa estar sempre conectado ao que acontece ao seu redor. Como disse acima, eu não tive nenhuma educação formal antes de ingressar nesse mercado — somente a graduação e a licenciatura em Letras, além de uma pós em Literaturas de Língua Inglesa (outro campo do qual gosto muito). Mas havia também muita vontade de aprender e decidi que investiria em literatura específica sobre o assunto, para ler em horas vagas. Então comecei, por conta própria, a pesquisar o que havia sobre tradução em livrarias e na internet. Como resultado, adquiri diversos livros tratando de vários aspectos e que fui consumindo aos poucos; descobri vários blogs sobre tradução, mantidos por muitos colegas; descobri o TradCast (o primeiro podcast sobre tradução: http://www.tradcast.com.br), iniciativa genial e, até agora, única; descobri os grupos e comunidades de tradutores nas redes sociais, fontes de incontáveis dicas e lições que muito me ajudaram até hoje; por conta própria, passei a participar (e ainda participo regularmente) também de congressos e seminários.

Falando de forma mais específica, uma dica que considero inestimável é manter-se também conectado ao que acontece na sua área de atuação. Explico: um tradutor literário pode e deve procurar blogs sobre literatura em geral e sobre autores de sua preferência; já um tradutor da área jurídica se beneficiará de cursos sobre inglês jurídico, por exemplo; além disso, qualquer tradutor pode procurar e se inscrever em webinars (gratuitos ou não): direito, contabilidade, petróleo, engenharia, psicologia, medicina etc., tudo que ajude a conhecer cada vez melhor a sua área de atuação. Uma fonte de informação que não havia na época em que eu estava iniciando e que certamente faria diferença para mim é a TradWiki (https://www.tradwiki.org/wiki/página_principal), mantida por tradutores e pesquisadores. Vale a visita.

Ainda sobre diversas formas de preparação, há também a ótima iniciativa da Abrates, o Programa de Mentoria “Caminho das Pedras”, exclusivo para associados com menos de dois anos de experiência como tradutor/intérprete ou que estejam cursando o último ano do curso de Tradução/Interpretação ou Letras. Administrado e conduzido totalmente por voluntários, o programa dá ao mentorado a chance de ser tutorado por um tradutor mais experiente, que o orientará sobre aspectos práticos do mercado. Para mais informações, consulte https://abrates.com.br/programa-de-mentoria.

Quanto à prospecção de clientes, devo dizer que não há uma fórmula para todos os casos, devido à diversidade de campos de atuação dos tradutores e intérpretes. De toda forma, posso dizer o que funcionou para mim. Em primeiro lugar, é fundamental que as pessoas saibam que você é tradutor; dessa forma, devo muito aos parentes e amigos, em particular à minha esposa, cuja ajuda foi crucial: através dela, consegui meus primeiros trabalhos. Aliás, seus contatos me rendem serviços até hoje. Ter um cartão de visitas sempre à mão ainda é uma ótima forma de estabelecer contato; quando menos se espera, você pode deixar a sua marca. “Garimpei” também anúncios nos jornais e me candidatei a vagas como freelancer em agências de tradução. Hoje não sei se é possível encontrar anúncios desse tipo em jornais, mas certamente a internet é, no momento, a melhor das fontes. Elaborar um bom currículo e enviá-lo para as empresas de tradução e se oferecer para testes é um bom início e uma prática recorrente. Eu não mantenho nenhum blog sobre tradução, nem um website na internet, mas julgo que são ótimas sugestões também. Outra estratégia que eu recomendo é a participação como visitante em feiras nas suas áreas de atuação, principalmente se a entrada for gratuita para visitantes. Visitar os estandes e conversar com os representantes das empresas é uma forma de se tornar visível e vender os seus serviços.

Por fim, uma crença pessoal minha é a de que todo profissional precisa estabelecer um bom equilíbrio em seu posicionamento entre o mercado e a sociedade. Ninguém estará verdadeiramente completo em sua carreira se estiver pensando apenas na sua melhoria como profissional. É preciso investir também como indivíduo. Pergunte a si mesmo o que você vem fazendo para contribuir para a sociedade da qual você faz parte, não apenas para o mercado. Até que ponto a sua função como tradutor e/ou intérprete está melhorando o mundo ao seu redor? O que defendo não é o ativismo engajado em si, mas uma maior conscientização do papel que desempenhamos (que pode ou não resultar em uma mudança de atitude, mas que certamente estimulará uma mudança de mentalidade). E, no futuro, considere a possibilidade de doar parte do seu tempo e de seu conhecimento para uma causa. Sempre haverá diversas ONGs e instituições sérias precisando da sua ajuda. Saiba que um bom profissional é, antes de tudo, um ser humano em eterna procura por aprimoramento — em todos os campos. Feliz 2021!

 

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