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Pílulas de direito para tradutores: primeira dose

Republicação do texto de Ernesta Ganzo para o número 1 da revista Metáfrase, de setembro de 2016.

 


 

O título já diz logo a que veio: uma seção dedicada às informações jurídicas voltadas para os tradutores e intérpretes. Através de comentários a artigos e leis, em breves matérias sequenciais, serão abordados alguns assuntos considerados relevantes para exercer a profissão de tradutor e/ou intérprete. A intenção é abordar os assuntos com base na legislação brasileira vigente, mas é bom lembrar que a legislação é ampla e sujeita a constante alteração. Entre os temas que serão abordados estão os aspectos legais da profissão, as formas de contratação dos profissionais, a constituição de empresa, o SIMPLES NACIONAL, a possível inclusão do ofício do tradutor no rol dos microempreendedores individuais (MEI), as diferentes formas de faturamento (emissão de RPA e nota fiscal), o direito autoral e as cláusulas contratuais, a tradução pública e a tradução juramentada, a responsabilidade civil e penal do tradutor.

 

Neste primeiro texto, falo sobre a diferença fundamental entre tradução pública e tradução juramentada. Costumo fazer essa diferenciação, pois as duas não são exatamente a mesma coisa, apesar de serem equivalentes em termos práticos. Nem todos sabem por que muitas vezes a tradução de alguns documentos precisa ter um caráter, digamos, mais oficial. Pois bem… simplificando, diria que, em geral, são documentos que precisam comprovar ou certificar algo, e a tradução, nesses casos, é necessária para que os funcionários da administração pública, juízes, partes de um processo ou terceiros interessados não só entendam exatamente o que consta no documento original, mas também tenham a certeza de que aquela tradução é efetivamente a tradução correspondente. Nesses casos dizemos, popularmente, que é necessária uma tradução juramentada.

 

Mas o que é juramentar uma tradução? Em termos simples, seria “autenticar” uma tradução. Conferir-lhe autoria certa (para que exista alguém responsável, civil e penalmente, pela tradução) e o caráter de “autenticidade” que, em termos jurídicos em relação a uma tradução, corresponde a um atestado de conformidade da tradução quanto ao original ou a um atestado de “fidelidade” ao original. Na prática, é uma declaração prestada perante algum oficial com fé pública, em que o tradutor declara que sua tradução está em conformidade com o original. Ele presta um juramento declarando ter produzido um texto fidedigno em outro idioma (daí a expressão tradução juramentada). Em termos legais, uma tradução juramentada é exatamente isto: uma tradução conforme o original, ou seja, uma tradução fidedigna, autêntica, cuja autenticidade é certificada mediante um juramento, um compromisso.

 

Autenticidade de uma tradução, portanto, não se refere ao texto traduzido em si, não considera o conteúdo da tradução. Autenticidade da tradução refere-se tão somente à conformidade do texto tradução em relação ao texto original. Nos países em que não existe a figura do tradutor público, o tradutor faz a tradução, imprime e leva a tradução e o documento original para prestar o juramento perante um oficial designado. O oficial que recebe os documentos redige uma ata ou um termo de juramento da tradução, identificando o tradutor e os documentos apresentados e finalizando com o juramento de tradução conforme o original. O termo de juramento é assinado pelo tradutor, o oficial atesta que foi assinada em sua presença, registra, protocola e forma o que se denomina documento oficial (caso necessário, pode inclusive ser legalizado para uso no exterior, ou apostilado, se os documentos forem apresentados em um país signatário da Convenção de Haia).

 

O termo de juramento certifica a tradução como autêntica. No Brasil, são os tradutores públicos que certificam as suas próprias traduções como autênticas, fidedignas. A autenticidade de uma “certidão” de tradução pública também não implica autenticidade do texto que foi traduzido: o próprio tradutor público faz a ressalva, no seu termo de encerramento, que aquela é uma tradução e ele não se compromete com o teor do conteúdo do documento traduzido. Por força da delegação do ofício, os tradutores públicos têm o poder de certificar a conformidade com o original de suas traduções, produzindo “certidões” de tradução, válidas em todo o território nacional. Dessa forma, podemos dizer que a tradução pública é mais prática, e talvez menos onerosa para o usuário, em relação à tradução juramentada, pois pula-se a etapa do juramento perante algum oficial ou tabelião.

 

Nos países em que não há exigência de tradução oficial, pública ou juramentada, nada disso é necessário, obviamente. Em face da adesão do Brasil à Convenção da Apostila de Haia a partir de 14 de agosto de 2016, o trâmite internacional dos documentos públicos entre os países que ratificaram a Convenção tornou-se bem mais simples. Em termos práticos, a Convenção eliminou a exigência da legalização consular dos documentos públicos – aquela legalização em múltiplas e sucessivas etapas (tabelionato, MRE – Ministério das Relações Exteriores e consulado) – substituída agora por uma “legalização” única, one-step process, chamada Apostille. Obviamente, permanece a necessidade de tradução do documento para o idioma do país de destino. Essa tradução poderá ser efetuada tanto no próprio país que exarou o documento, quanto no exterior.

 

Apesar de as traduções para outras línguas serem consideradas “textos em língua estrangeira”, permite-se, nos termos da Convenção de Haia, apostilar traduções nos próprios países que exararam o documento público, seguindo determinados procedimentos, conforme as leis de cada país. O próprio Conselho Nacional de Justiça (CNJ) divulgou um Manual da Apostila, em que explica que “Em alguns Estados (países signatários), a tradução pode ser de natureza pública (é o caso do Brasil), onde é executada por um tradutor oficial”. Nos casos de tradução de natureza pública, a própria tradução poderá ser apostilada. Apostilar uma tradução significa assegurar perante a autoridade estrangeira que a tradução é certificada conforme ao original, ou seja, para ser possível apostilar uma tradução, é necessário: 1. que a tradução seja considerada um documento com fé pública, uma tradução oficial e 2. certificar-se de que foi produzida conforme ao original.

 

Por esse motivo, nos países em que a tradução é pública, não é o termo de juramento a ser apostilado, mas a própria tradução, porque a Certidão de Tradução já contempla a certificação de que aquela tradução está em conformidade com o original, e o tradutor signatário tem fé pública necessária para certificar isso no termo de encerramento. A certidão, ademais, é exarada em forma pública, com registro próprio no Livro de tradução do ofício, garantindo a exata correspondência daquilo que está no Livro com a certidão exarada. As traduções para língua estrangeira (as denominadas versões), efetuadas pelos tradutores públicos brasileiros, recebem, então, uma Apostila para que sejam consideradas traduções “autênticas” também no exterior, perante os outros países signatários da Convenção, facilitando os trâmites daqueles documentos públicos no exterior.


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