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Entrevista com a intérprete de Libras Paloma Bueno Fernandes

A tradutora e intérprete Alexandra de Vries conversou com Paloma Bueno Fernandes, intérprete de Libras, que, na abertura do Congresso da Abrates de 2016, comoveu a plateia com sua interpretação do hino nacional. Esta entrevista foi publicada no número 1 da revista Metáfrase, de setembro de 2016.

 

Pode falar um pouco sobre o mercado de interpretação de Libras?

Percebo que o mercado de interpretação de Libras <> português é amplo. Há várias possibilidades de atuação, mas acredito ser muito variável. Sabendo disso, vou comentar conforme minha experiência e realidade vividas. No caso de São José dos Campos, a indústria é muito forte e, por conta da Lei de Cotas, acabam contratando um número considerável de surdos, o que afeta a demanda local, para interpretar processos seletivos, treinamentos, palestras, confraternizações e outras atividades que precisam garantir que os surdos tenham intérpretes para mediar essa comunicação. De modo geral, o segmento que mais demanda trabalho é o educacional em diferentes níveis, o empresarial e também o de eventos. Já atuei em cursos profissionalizantes de mecânica e elétrica, superior em propaganda e marketing, administração e, atualmente, em engenharia mecânica. As modalidades de contratação são diversas: prestação de serviço autônomo ou CNPJ, CLT por prazo determinado ou indeterminado, contrato avulso/freelance, entre outras.

 

Como você começou a trabalhar nessa área? Conte um pouco de sua experiência, formação.

Comecei como voluntária em igrejas e eventos ligados à inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Com o passar do tempo, os surdos e os colegas da igreja começaram a me indicar como profissional. Confesso que eu não tinha intenções profissionais de atuar diretamente como intérprete, mas apenas ser uma profissional de RH bilíngue. Quando uma amiga me convidou para trabalhar para ela duas vezes, eu rejeitei dizendo “não sou intérprete!”, mas na terceira vez, ela disse que já havia indicado meu nome e que era para eu me virar, pois todo mundo sempre tem algo para aprender (risos). Esta frase me marcou: “Se vira, Paloma, vai lá e aprende. Eu também não sabia tudo…”. E foi a partir dessa situação que comecei a trabalhar apenas como intérprete de Libras. Logo que comecei profissionalmente, percebi que precisava buscar mais formação, por questões burocráticas e por consciência de que ser bilíngue não era suficiente! Então fiz diversos cursos, oficinas e uma pós-graduação em interpretação de Libras. Atualmente, faço mestrado em linguística aplicada.

 

Quais são os pontos positivos do seu trabalho?

É muito gratificante saber que os surdos estão recebendo o que está sendo falado e poder participar, contribuir, discutir e discordar por meio dessa mediação que meu trabalho permite, seja em sala de aula, em reuniões ou em outro contexto.

 

Quais são os maiores desafios?

Acompanhar e assimilar as variações linguísticas, que são muitas. Atender aos novos clientes que solicitam serviços de tradução de materiais ou interpretação de eventos incomuns, como documentário, cardápio, propaganda eleitoral — afinal de contas, não se têm trabalhos nesses nichos todos os dias, mês e ano… Dificilmente os clientes têm a opção de escolher um intérprete especialista na área, pois, muitas vezes, os intérpretes não trabalham com um nicho específico. Fazemos de tudo um pouco.

 

O que você gostaria que todo mundo soubesse/entendesse sobre a interpretação de Libras?

São vários pontos. O primeiro é que a Libras é uma língua com estrutura própria e independente da língua portuguesa. Que o palestrante não precisa mudar a forma de falar para o intérprete “entender” (risos). Que também existe tradução de Libras<>português, exemplos: um vídeo de um surdo sinalizando para passar para legenda em português, um texto/roteiro/decupagem português>Libras (janela de libras para filmes, editais, entre outros).

 

Como foi a sua experiência no congresso da Abrates como intérprete?

Minha primeira experiência com a Abrates já começou com grandes emoções, quando fui ao congresso pela primeira vez, em 2015. Cheguei um pouco atrasada e estava na porta esperando a segunda palestra começar (sala 6 Libras/Idiomas mais raros). Em poucos minutos, o William Cassemiro, muito educadamente e preocupado, pediu para eu interpretar por uma necessidade emergencial e imprevista. Até aí ok, uma sala tranquila e sobre temas familiares. Já no 7º Congresso, a situação também foi inesperada, antes de iniciar a abertura do evento, o William anunciou, perguntou se havia algum intérprete de Libras na plateia. Confesso que estranhei e, na segunda vez que anunciou, levantei a mão e fui meio que por um “instinto” e pensei “se eu não for, algum surdo ficará sem entender nada”. Claro que fui com aquele frio na barriga, ou melhor, GELO na barriga, afinal de contas, só sabia o que estava escrito na programação, nada além daquilo – sorte que já sabia um pouco sobre Paulo Rónai, pois li alguns dos livros dele e um pouco sobre ele. Confesso que sou apaixonada por esse tema; teorias e discussões sobre tradução e tradutores. 

 

E sobre a sua interpretação do hino nacional, que comoveu tanto a plateia nesse congresso?

Não estava preparada para aquele momento: não se interpreta o Hino Nacional todos os dias. Sempre que vou interpretar um evento, reviso minhas anotações para fazer sempre melhor e com mais riqueza de detalhes. Digo que fiz o arroz com feijão, passei a mensagem, mas sem a riqueza de detalhes que gostaria e que o hino merecia. Naquele momento, meu foco era me manter calma diante da situação imprevista. Valdo Nóbrega, presente na plateia, também palestrante do congresso, comentou que não cantava o Hino há um tempo, que até havia esquecido um pouco, imagina como fiquei “tranquila” com essa situação. Fiz o melhor que pude, com a melhor expressão possível, sem exageros; enfim, busquei equilíbrio.

 


 

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