Como estamos tendo problemas técnicos com os comentários do blog, neste mês, não teremos a seção Dá uma Mãozinha? Esperamos dar início a ela em novembro. Dedos cruzados! Enquanto isso, vocês podem enviar suas dúvidas e perguntas a serem destacadas nessa seção para metafrase@abrates.com.br.
Para vocês não ficarem sem conteúdo e como temos muito conteúdo a ser migrado da revista, hoje trazemos mais um artigo da série Pérolas da Metáfrase. O artigo de hoje foi escrito pela Débora Landsberg.
Pra começar… Como começar no mercado editorial? Uma pergunta aparentemente simples que tem uma infinidade de respostas.
Que tal falarmos de inícios? Todo tradutor editorial com algum tempo de carreira já teve que responder aos colegas de outras áreas: como entrar no mercado editorial? Como foi que você conseguiu seus primeiros trabalhos? Os caminhos são vários. Aqui, abordarei alguns dos mais comuns.
Tive a sorte de descobrir minha vocação relativamente cedo e comecei o curso de Letras –Tradução na PUC-Rio. Sabia desde o princípio que meu objetivo era a tradução literária — sabia desde que descobri a existência de um profissional que traduzia os livros de autores estrangeiros que eu lia. Deixei minha vontade clara para os professores e me dediquei especialmente às disciplinas da área. Completadas as matérias da habilitação, o aluno precisava fazer dois semestres de estágio.
No primeiro, traduzíamos textos encomendados pelos professores de outros departamentos da universidade. No segundo semestre, éramos encaminhados para as áreas almejadas: alguns foram para agências, outros para empresas de legendagem, e eu e mais uns poucos gatos pingados fomos indicados a editoras. Meu primeiro contrato de trabalho, portanto, foi mediado pelos meus professores de tradução. E assim pus um título no currículo, além de mais outros dois (encomendados por essa mesma editora). Ainda assim não foi fácil: senti um certo pânico ao receber meu primeiro livro. O fato de o livro só ter sido lançado uns três anos depois me levou a imaginar que minha tradução ficara ruim a ponto de precisar ser refeita por outro profissional (não era verdade, claro!).
Terminada a faculdade, eu tinha um diploma, um currículo de principiante e uma preciosa carta de recomendação. Entrei no website de diversas editoras e catei os e-mails de contato. Mandei o currículo e a carta para dezenas de editores, sempre manifestando meu interesse e pedindo a oportunidade de fazer um teste. Um tempo depois, as coisas começaram a acontecer e fui me firmando no mercado.
De certo modo, tracei um caminho mais convencional. Porém, embora convencional, esse parece ser o percurso mais raro entre tradutores editorais. Ao frequentar as antigas comunidades do Orkut e os atuais grupos do Facebook, tive a forte impressão de que a grande maioria já teve outra profissão e após algum momento crucial da vida (nascimento dos filhos, aposentadoria, necessidade de ter mais qualidade de vida etc.) resolveu seguir a vocação que sempre soube ter ou que descobriu mais tarde. Esse desvio de rota impõe desafios que dependem da proximidade entre a profissão anterior do iniciante e a tradução. No caso de professores de línguas, por exemplo, a mudança de rumo não chega a ser assombrosa. Já pessoas oriundas de áreas totalmente distintas talvez precisem cruzar uma via mais pedregosa, não somente por conta da dificuldade de entrar no mercado editorial como pela necessidade de formação básica voltada para esse campo.
Nos casos acima, voltar aos estudos é uma excelente opção. Tem quem mantenha o emprego e faça uma pós-graduação em tradução — estes cursos geralmente têm disciplinas dedicadas à tradução de textos literários —, esperando para se firmar no mercado editorial antes de largar a vida mais estável do emprego anterior. Tem também quem faça cursos livres no intuito de entender como funciona a área e fazer contatos. Seja qual for a escolha, estudar nunca é demais e sempre dá uma revigorada na mente. Encontrar outras maneiras de mostrar talento aos editores também é bastante comum. Muitos tradutores renomados de hoje começaram como copidesques — também conhecidos como preparadores de texto —, o que lhes deu a chance de aprender o que fazer e o que não fazer em uma tradução e ganhar a confiança da equipe editorial.
Há também quem venha de dentro, bem de dentro, do mercado editorial. São pessoas que trabalham em editoras e por alguma razão tornam-se colaboradoras externas, prestando serviço à equipe editorial. É inegável que esse pezinho do lado de lá ajuda no lado de cá, não apenas no tocante a conseguir trabalhos como no conhecimento das expectativas dos editores quanto ao texto. Se quem não tem experiência em primeira mão em uma equipe editorial se acanha em deixar a criatividade correr solta a fim de tornar o texto mais palatável para o público brasileiro, um ex-editor ou produtor editorial saberá perfeitamente bem quando interceder em prol do leitor da tradução.
Outra transição comum é a do tradutor técnico que, depois de traduzir obras ligadas a uma de suas áreas de especialização, se encanta com a ideia de lidar com textos mais literários e encanta equipes editoriais por sua desenvoltura na lida com as palavras. É um caminho suave, com duas pistas paralelas que se complementam, evitando a afobação gerada pela necessidade de manter os boletos em dia e rechear o currículo.
Todos os caminhos acima são igualmente válidos. Todos já foram percorridos com sucesso e (imagino) insucesso. Óbvio que não foram abordadas neste breve texto todas as possibilidades do mundo, mas as que foram citadas sempre me pareceram as mais comuns.
Antes de encerrar, no entanto, uma recomendação se faz necessária: não reclame do fato de não conseguir entrar no mercado editorial botando a culpa em supostas panelinhas e QIs (o famoso “Quem Indica”). Claro que, entre indicar um desconhecido e um amigo cujo trabalho me agrada, indico o amigo sem pensar duas vezes. Essas relações de “apadrinhamento” acontecem de forma espontânea, geradas pela proximidade pessoal e o conhecimento da ética de trabalho e do talento do outro. Fora que a formação de grupos de pessoas com afinidades existe em todos os campos. Ao reclamar disso, você se excluirá automaticamente dessas turmas. E nunca, jamais, em tempo algum, peça a um tradutor literário que nunca leu uma tradução sua para indicá-lo a alguma editora. Evite esse constrangimento para ambos.
Como tudo na vida, há caminhos mais breves e mais longos, mais tranquilos e mais esburacados, decorrentes de inúmeros fatores. Porém, uma coisa é certa: se você imagina — ou tem certeza — que deseja seguir o caminho da tradução literária, puxe uma cadeira e divirta-se. Cada novo livro que somos incumbidos de traduzir traz um mundo novo de desafios. Boa sorte para enfrentar todos eles!
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