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Traduzir é conviver

Republicação do texto do Petê Rissatti e da Flávia Souto Maior para a edição de lançamento da revista Metáfrase, em setembro de 2016.

 

Paulo Rónai: húngaro naturalizado brasileiro, tradutor, escritor, ensaísta, professor, linguista, lexicógrafo e um dos fundadores da Abrates

O intelectual húngaro naturalizado brasileiro nasceu em Budapeste em 1907 e desde muito cedo demonstrava interesse pelo aprendizado de idiomas. Além dos estudos primários em seu país de origem, estudou também na França e na Itália e obteve o título de doutor em filologia latina e neolatina. Aos 19 anos, já traduzia poemas latinos para revistas, mas a fascinação pelas diferentes línguas surgiu muito antes, como podemos ver no pequeno trecho de sua obra Como aprendi o português e outras aventuras:

Quando, pela primeira vez em minha vida, vi uma cédula graúda – podia ter meus sete anos – provavelmente experimentei o desejo de possuí-la, como qualquer um. Se o tive, esqueci-o. Mas lembro-me nitidamente da inquieta curiosidade com que me pus a decifrar as duas palavras – CEM COROAS – que aquela nota ostentava nas oito línguas da desde então finada Monarquia austro-húngara.

Rónai aprendeu português sozinho, e uma aproximação maior com a literatura brasileira aconteceu quando publicou em seu país Mensagem do Brasil, coletânea de contos traduzidos por ele mesmo do português ao húngaro, em 1939. O livro lhe rendeu uma carta do então presidente Getúlio Vargas, que mais tarde lhe ajudou a conseguir um visto para viajar ao Brasil. Em 1941, fugindo da perseguição nazista por ser judeu, chegou ao Brasil aproveitando um indulto no campo de trabalhos forçados em que se encontrava. Em 1945, naturalizou-se brasileiro.

 

Rónai e a tradução literária

Rónai foi um tradutor extremamente prolífico nos idiomas em que tinha fluência. Apenas para o português, traduziu 19 livros dos seguintes idiomas: húngaro, alemão, latim, italiano, francês, inglês e galego. Algumas dessas traduções entraram no imaginário popular brasileiro de forma única, como Os meninos da rua Paulo, de Ferenc Molnár. À exceção dessa e de outras poucas obras, Rónai tinha um grande apreço pelos contos, sendo responsável não apenas pela tradução de diversas narrativas curtas de vários idiomas, mas também pela organização de antologias e coletâneas. Um exemplo é a coleção Mar de histórias, composta de dez volumes de contos da literatura mundial em ordem cronológica. Além de editar, Rónai também traduziu várias das narrativas em conjunto com Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, em uma parceria que funcionava da seguinte forma em muitos dos textos: Rónai traduzia os textos o mais fielmente possível ao original, Aurélio revisava com o intuito de “buscar a idiomaticidade”, fazendo as vezes do que conhecemos hoje como preparador de texto, figura muito importante do processo editorial. Na Revista Tradução e Comunicação nº 2 (1982), comentando esse modus operandi, ele nos dá uma aula de humildade:

Quando iniciamos o trabalho, eu mal tinha dois anos de Brasil: e se por força das circunstâncias já sabia me virar em português na vida diária, ignorava as riquezas, os matizes, as finezas, a sinonímia, a fraseologia, os níveis da língua. Ainda que entendesse o original de maneira perfeita, fatalmente havia de empobrecer-lhe o vigor devido à minha falta de conhecimento amplo e instintivo do português do Brasil.*

Outra obra de peso que Rónai assumiu como organizador, editor, revisor e comentarista foi A comédia humana, de Balzac, que está sendo toda relançada pelo selo Biblioteca Azul da Editora Globo. Os 17 volumes da coleção, divididos em mais de 20 tradutores, renderam um trabalho de mais de 15 anos de orientação de tradução, revisão, supervisão e elaboração de prefácios para cada volume, além de 7.493 notas de rodapé feitas por ele. Atualmente, foram relançados nove volumes de A comédia humana, mais um livro de ensaios de autoria de Rónai chamado Balzac e a comédia humana, também lançado pela Biblioteca Azul.

Por sua atuação como tradutor, foi laureado com diversas premiações em todo o mundo, entre elas o Prêmio Trienal Nathhorst de Traduções Literárias, Técnicas e Científicas, da Federação Internacional de Tradutores (FIT), em 1981, considerado um dos mais importantes da área.

 

Ensaísta e estudioso

Como autor, publicou alguns livros até hoje cultuados por tradutores e estudantes de tradução, entre eles: A tradução vivida (José Olympio, 2012), Escola de tradutores (José Olympio, 2012), Como aprendi português e outras aventuras (Casa da Palavra, 2013) e Babel e antibabel (Perspectiva, 1970), volume de ensaios em que discorre sobre as línguas artificiais, como o esperanto, o panamane, o volapuque e o romanid, na tentativa de se estabelecer um idioma universal, passível de ser falado, escrito e entendido por todos.

Rónai colaborou com a parte de estrangeirismos do dicionário Aurélio e contribuiu com vários outros dicionários. Também teve participação relevante na imprensa literária.

Foi precursor na luta pela profissionalização dos tradutores, participando da criação da Abrates em 1974 como um dos sócios fundadores e secretário. A associação foi fundada com a intenção de melhorar as condições de trabalho dos tradutores e atuar em prol de seu reconhecimento e da defesa de seus direitos, além de aperfeiçoar a qualidade profissional da tradução de obras literárias, textos técnicos e científicos. No I Encontro Nacional de Tradutores da Abrates em 1975, Rónai participou ativamente.

Casado com Nora Tausz Rónai e pai de duas filhas, Cora e Laura, Paulo Rónai faleceu em 1992, em Nova Friburgo. Alguns anos após sua morte, a Fundação Biblioteca Nacional o homenageou dando seu nome a um prêmio anual concedido a tradutores brasileiros – o Prêmio Paulo Rónai de Tradução.

Seu abrangente acervo de livros e documentos foi vendido pela família à Universidade de São Paulo e incorporado à coleção de obras raras da instituição. Sob a responsabilidade do Instituto de Estudos Brasileiros da universidade (IEB-USP) ficaram diários, anotações e cartas, muitas delas trocadas com grandes nomes brasileiros, como Guimarães Rosa, Aurélio Buarque de Holanda, Antônio Houaiss e Lygia Fagundes Telles.

 

* ESQUEDA, Marileide Dias. Rónai Pál: Conflitos entre a profissionalização e a teoria e prática da tradução. 1999, 103 fl. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada) – IEL – UNICAMP, p. 58

 

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