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Eu sou Abrates: Tereza Braga

  • Quem é você? O que você faz?

Gostei da pergunta socrática. Sou a Tetê, carioca nata e americana naturalizada. Diria que sou meteórica e dependo bastante dos amigos racionais e emocionalmente estáveis. Adoro analisar tudo e todos. Na família tenho que ser por vezes intimada a parar com as perguntas. Sempre preferi morar sozinha, mas adoro gente. Alguns dizem que tenho um certo carisma. Meu pai era um engenheiro com fluência em inglês, francês e espanhol, adquirida em viagens constantes. Minha mãe era uma linguista nata e acho que nunca se deu conta disso. Teve 10 filhos e nos deu mais um de criação. Mas sempre achei que ela tinha nascido para ser professora (daria uma boa madre superiora também). Sempre achava tempo para ler e estudar. Dava palestras em casa para parentes e agregados com total autocontrole, como se fosse seu ofício. Falava de etimologia, gramática histórica, da França nos tempos de Joana d’Arc ou da história da língua inglesa, por exemplo, sem ter cursado universidade alguma e com mais conhecimento do que qualquer um de nós. Lia e falava inglês, francês, espanhol, grego e latim e tinha uma curiosidade inesgotável. Assisti a uma aula dela já idosa, como convidada da turma de história europeia da minha irmã professora universitária, e meu queixo caiu quase literalmente. Foi uma grande mestra e autodidata. Morreu em 2008 e sua professora favorita do curso ginasial no Rio, a Dona Cleo (Cleonice Berardinelli, agora acadêmica imortal da ABL), nos revelou na época que “Lúcia foi das melhores alunas que tive na vida”.  

O que eu faço? Amigos eu faço bastante. Costumo dizer, aliás, que nunca conheci um estranho. Faço traduções há 25 anos, primordialmente para o setor empresarial. Faço um bom peixe de vez em quando. Viagens, faço todas. Não tenho filhos e adoro acalentar minhas dezenas de sobrinhos em várias partes do mundo, mesmo que seja virtualmente. E faço interpretação de conferências pelo mundo afora. Bem, agora parece ser pelo Zoom afora… 

 

  • Como você chegou à tradução e como foi seu início?

Eu estava morando em Dallas nos anos 1980, onde havia surgido uma oportunidade de emprego e uma sonhada porta de saída do Brasil por um tempo. Fui abordada um dia na hora do almoço por um casal simpático que eu conhecia do prédio. Eram donos de uma microempresa de traduções. Aceitei fazer documentos esporádicos. Gostaram e sugeriram que eu pensasse no ofício como profissão, mencionando um evento da seção regional de uma tal de American Translators Association. Nesse evento fiz amigos que tenho até hoje. A partir daí tudo foi muito rápido. Encontrei uma profissão que eu não sabia que existia e que tinha tudo a ver comigo. Minha formação àquela altura eram cursos de idiomas e secretariado. Tinha ensinado inglês e trabalhado como secretária executiva bilíngue em algumas empresas no Brasil. Agora, marcando passo e frustrada como contratada de repartição consular, eu fazia faculdade à noite e tentava vislumbrar novos caminhos. Juntei um dinheiro, fui ao meu primeiro congresso da ATA e obtive minha primeira certificação em um ano. Doze anos depois de concluir o ensino médio, obtive finalmente um B.A. interdisciplinar, seguido de um M.A., com concentração em negócios internacionais. Minha alma mater é a Universidade do Texas em Dallas, cujo campus foi sede nacional da American Literary Translators Association (ALTA) e do Center for Translation Studies, dirigido pelo prof. Rainer Schulte com quem cursei disciplinas eletivas. Mal sabia que viria a acumular mais horas de estudo em oficinas e seminários de tradução e interpretação nas décadas seguintes do que na minha pós-graduação. Galguei a rampa freelancer bem rápido e me vi ganhando em dois meses o que antes levava um ano inteiro para ganhar. Isso só com tradução escrita. 

 

  • Para você, qual é o aspecto mais incrível da sua área de atuação?

Vou falar de três aspectos. Primeiro, quando comecei a interpretar conferências descobri a sensação de “high” natural da simultânea e como ela se coadunava com a minha extroversão e intensa curiosidade. Foi de fato incrível. Ainda é. O segundo aspecto é a convivência obrigatória com as parceiras(os) na simultânea. Para alguns como eu, ela é um teste doloroso de autocontrole. Escancara a minha bagagem emocional com mais intensidade do que uma sessão de psicoterapia. Descobri tarde o valor desse treinamento gratuito e como eu precisava dele, mas descobri. E o terceiro: a nova era de conferências e seminários virtuais vem multiplicando as oportunidades de conhecer o trabalho de especialistas no Brasil e no mundo nas áreas da saúde, proteção ambiental e combate à horrível e crescente desigualdade global. A tecnologia vem me permitindo conviver mais de perto todos os dias, mesmo que apenas por uma ou duas horas, com pessoas que têm a coragem de sair de suas zonas de conforto e não se importam quando outras recebem mais crédito do que elas. Acho a interpretação inspiradora para a vida. Ela me faz ler cada vez mais e me melhora como ser humano. 

 

  • E o mais desafiador?

Na cabine, nossa! Quase tudo é desafio. A carga cognitiva de interpretar uma tecnóloga com sotaque forte, por exemplo, que nunca ouviu falar em oratória e está lendo um relatório interminável, olhando para baixo e obviamente detestando ter que falar ao microfone. Outro: manter o controle emocional e a voz calma enquanto presa a quatro cabos e controles e dependendo de sinais que podem falhar a qualquer fração de segundo na interpretação virtual remota em home office. Na vida de profissional autônoma, o aspecto mais desafiador é a necessidade de combater a necessidade de me isolar. Cultivo cada vez mais ativamente a arte e a ciência de trabalhar em equipe. Meu progresso nessas áreas é lento, mas me dá alento (aliterei).

 

  • Cite um mito e uma verdade sobre sua área de atuação que você só descobriu na prática.

Eu posso dizer que não tinha mitos. Não conhecia o nosso ofício como meio de vida. Acho que eu pensava que tradutores e intérpretes eram profissionais de outras áreas que surgiam em necessidades especiais, como coletivas de imprensa ou visitas diplomáticas. Todos sabemos, é claro, de escritores, professores universitários, atores, jornalistas e apresentadores que, de fato, só traduzem de modo esporádico – e mesmo magnífico. Eu nunca tinha visto tradutores ou intérpretes, efetivos ou terceirizados, nas empresas onde meu pai trabalhou trazendo novas tecnologias de aço para o Brasil. Traduzir havia sido uma tarefa normal durante meus anos como secretária bilíngue.

Foi uma revelação descobrir que existiam cursos universitários de tradução e interpretação no Brasil e no mundo. Descobrir a Abrates foi muito enriquecedor. Com minha renda permitindo mais viagens, passei a frequentar e a falar em congressos e seminários no Brasil e alhures. Perco a conta dos colegas e mestres que me abriram a cabeça e o coração para obter o que me faltava em técnica e prática e para o bem que essa profissão pode fazer no mundo. A carreira me trouxe os melhores amigos que eu tenho. Fui administradora da PLD (Portuguese Language Division) da ATA muitos anos e organizamos encontros inesquecíveis em várias cidades dos EUA, inspirando um grupo dinâmico de colegas brasileiros, portugueses e americanos que popularizou a já querida PLD e continua a se reunir em espaços presenciais e virtuais. A nossa rede internacional de tradutores aumenta todos os dias e me traz muito do que sempre sonhei, inclusive uma família intelectual.

 

  • Que dica construtiva você daria para quem possa estar cogitando seguir na sua área de atuação ou para quem possa estar começando?

Nossa, depende da pessoa… Adoro mentoria e tenho muitos ‘filhotes’ em muitas paragens. Vibro quando eles brilham, mas cada um é diferente, e o nosso ofício é tão fragmentado… Para muitos eu não teria quase nada a dizer. Nunca fiz legendagem nem dublagem, por exemplo, nem localização. Uma coisa que faço sempre é tentar convencer o cliente a ceder uma credencial para uma pupila entrar no local do evento e vivenciar nosso trabalho em cabine. Quantos vícios eu teria arrancado na raiz se tivesse tido essa chance. 

Obrigada por essa oportunidade e saudações a todos da Abrates.

 

Me auxiliaram na revisão minhas queridas Isa Mara Lando e Eloisa Marques. 

 

Nome de exibição: Tereza Braga

Área de atuação: Interpretação de conferências (presencial e virtual); tradução escrita

Links: https://www.facebook.com/tereza.braga.14

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